Uma relação de (muita) reclamação e (pouca) gratidão

Já aviso agora que este não vai ser um post engraçado, sequer divertido. Mesmo tentando ser positivo na maioria do tempo, não encontro motivos pra ser engraçadinho enquanto tento fazer você abrir sua cabeça e aprender comigo uma pequena lição de vida.

Seres humanos têm a mania idiota de reclamar. Reclamar de absolutamente tudo, por menor que seja o assunto. Um iPod que não sincroniza com o seu programa, um ar condicionado que não refresca a sala, ou que refresca a ponto de congelar a secreção nasal das pessoas. Pessoas reclamam sobre o BBB. Pessoas reclamam porque ainda não é sexta.

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Pessoas reclamam de absolutamente tudo.

Também temos a mania idiota de arrumar desculpas para tudo. Gastamos mais tempo (e vontade) arrumando desculpas esfarrapadas para acobertar negligência ou preguiça do que realmente fazendo o que precisamos ou queremos fazer. Estas desculpas servem um único propósito: nos estabelecer dentro da zona de conforto.

Zona de conforto é quando tudo o que você tem, quer e faz é o ideal. Você não desprende esforço nenhum em executar estas atividades, elas te trazem o mínimo de prazer e satisfação. Passamos a maior parte do tempo nessa zona do conforto, e muitas vezes desejamos estar assim, só que uma vez aqui dentro, fica difícil sair. Seres humanos também têm a mania idiota de querer e valorizar o que não tem. Então, uma hora, a zona do conforto passa a ser desconfortável – e aí entram as desculpas novamente.

Para sair da zona do conforto, você precisa tomar atitudes. As desculpas impedem que as atitudes tomem forma.

Você decide que quer começar a frequentar uma academia. Então começa a pensar nos problemas: muito caro, o horário é complicado, a falta de companhia é um problema também. Resultado: você não faz nada disso e volta pra onde estava.

Você quer começar a ler mais livros, ter mais cultura. Aí lembra que não tem tempo pra isso, que não se interessa por leitura, que não tem recomendações de bons livros… e novamente não faz nada.

É aqui que entra minha história.

Acabo de viver o pior ano de minha vida, marcado por más decisões e as complicações derivadas delas. Parei a faculdade, tomei a pior decisão profissional da minha vida, tive problemas em casa… enfim. Acontece que, mesmo com estes problemas acontecendo, eu estava em minha zona de conforto.

Precisava me dedicar mais na faculdade, arrumar um novo emprego, até me exercitar e me alimentar melhor. Escrever mais para o blog, me dedicar a projetos secundários, me aproximar de pessoas com os mesmos interesses. Eu sabia que queria fazer muitas coisas, e algumas delas eu precisava fazer.

E para cada coisa que eu queria fazer, eu arrumava cerca de vinte motivos que me impossibilitavam.

Na última segunda-feira, fui tomado por “indignação” por mim mesmo. Faltei da faculdade por preguiça, fiquei jogando videogame em casa. Quando me toquei que tava jogando minha vida fora por besteira, pensei em mudar. “Acho que vou começar a caminhar quarta-feira pela manhã, me dedicar mais na faculdade…”

Só que no meio do caminho tinha um Gol prata.

Caso você não tenha passado pela experiência, não há nada de divertido ou interessante em sofrer um acidente de trânsito. De moto, então, nada legal.

Pelos danos causados na moto e pela violência do impacto, eu tive bastante sorte. Apenas uns ligamentos do tornozelo lesionados, nada demais. Pessoas costumam morrer em acidentes de moto todos os dias, tive a sorte de não ser uma delas. Estarei imobilizado pelas próximas seis semanas, com o risco de fazer uma cirurgia complicadíssima. Além disso, mais dois ou três meses de fisioterapia e mais algum tempo para perder o medo de andar novamente.

Foi no pronto-socorro que aquela tradicional ironia kármica tomou conta de mim. Um dia antes do acidente, eu estava amaldiçoando o tipo de vida que estava levando. Um dia depois, estou com o pé envolto por dois quilos de espuma em pleno verão sertanezino, e assim estarei por meses e meses.

Se eu quero tomar um copo d’água, duas opções: ou eu grito para minha avó, uma valente senhora de 75 anos, levantar do sofá para me servir, ou eu demoro vinte minutos para conseguir levantar e caminhar até a cozinha de muletas e saltitos, colocando em risco minha recuperação.

Se eu queria começar a caminhar e a preguiça me impedia, agora não posso andar. Se eu amaldiçoava o lugar horrível que trabalho, agora não posso trabalhar. Além disso, a dor ABSURDA que estou sentindo. Além do tornozelo, todo fodido por dentro, o resto do corpo paga o preço por um membro que não trabalha.

Costumo dizer que ninguém é capaz de mudar por si só, que é preciso um um evento enorme pra fazer pessoas mudarem seus hábitos, suas atitudes. Foi preciso que a vida colocasse um carro no meu caminho pra que eu aprendesse a valorizar o que eu tenho. Não vou dizer que foi uma experiência transcedental, que foi um ato místico, que vi uma luz branca ao fechar os olhos, mas digo que isso tudo foi capaz de me mudar, sim.

Pelo menos a visão que tenho de quão idiota eu estava sendo, jogando minha vida fora e reclamando de coisas pequenas. Por mais brega que seja o discurso, hoje SEI que devíamos ser um pouco mais gratos por funcionarmos perfeitamente.

Eu sei que meu problema está longe de ser grave. Famílias que passam o mês com um salário mínimo, isso é um problema grave. Eu não tenho sequer o direito de reclamar da dor. Por mais fodido que esteja meu pé, ainda posso me mover e tenho ótimas pessoas ao meu lado que me ajudam ou me encorajam. Mesmo nessa situação, não tenho motivos pra reclamar de nada.

E você, vai continuar reclamando do quê agora?

Autor: Raphs

Fisicamente, três anos a menos. Mentalmente, sessenta anos a mais.

19 comentários em “Uma relação de (muita) reclamação e (pouca) gratidão”

  1. Ter o pior ano da sua vida e estar com os membros inferiores absolutamente fodidos seria motivo pra boa parte dos seres humanos do planeta (principalmente na Escandinávia) para se suicidar. Você, meu caro, você fez um post.
    Suicidas são afrescalhados.

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  2. Cara, você não pode morrer, senão quem vai escrever esse blog?
    Olha, pode começar já a treinar seu filho pra ter tanto ódio e sarcasmo quanto você, senão não dá cara, aí eu choro mais do que na novela das 8…

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  3. APENAS UMA OBSERVAÇÃO: MATÉRIA CONFUSA. NO INICIO “ENTENDE-SE” QUE PRECISA MUDAR E DEPOIS QUE FIQUE COMO ESTÁ. ISSO, PRA MIM, COISA DE GENTE QUE ACEITA AS COISAS QUE A VIDA VAI “T DANDO” SEM LUTAR POR AQUILO QUE DESEJA. POR ISSO QUE FICAM RECLAMANDO, COMO A PRÓPRIA MATÉRIA DIZ: FALTA ATITUDE PRA SER FELIZ INDEPENDENTE DOS RESULTADOS, AO MENOS TENTE.

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