Mais um pouco sobre o que aconteceu comigo e tal

A grande parte dos meus leitores são pessoas misteriosas, que sempre estão presentes mas não se manifestam por motivo algum. De um tempo pra cá, vocês se tornaram um mistério para mim. Sei quantos são, mas não sei quem são.

O post anterior teve uma reação interessante. Embora não tenha dado a repercussão esperada no próprio blog (os comentários ficaram vazios por dias), pessoas que não conheço ou que quase nunca converso, resolveram falar comigo a respeito do que leram, comentando sobre o texto pessoalmente.

Talvez porque seja meio difícil assumir que se está jogando a vida fora, ou que se comporta exatamente como eu disse naquele texto. É recompensador ser reconhecido pelo que faz (ou escreve), mas muito melhor é a sensação de que o que você disse foi assimilado por outras pessoas. Nunca quis ser “formador de opinião”, mas se eu fiz uma pessoa repensar suas atitudes, já ganhei a vida.

“Mas o que aconteceu, afinal?”

No texto, eu disse que foi preciso que um carro atravessasse meu caminho pra eu repensar grande parte da minha vida. Não dei muitos detalhes até então, pois deixo o blog um pouco impessoal justamente para ter esse “espaço” entre o cara que escreve e o cara que vive. Depois de seis anos, essa separação acaba sendo necessária.

Tenho certeza de que alguém que está lendo este texto já passou por isso, mas a grande maioria, não. Então, vamos à pergunta:

Você sabe o que acontece em um acidente de moto?

Parece um pão francês, só que mofado

Isto acontece. Por menor que seja o impacto, quando você dirige um veículo cuja natureza é cair, o resultado de qualquer coisa tem reflexos bastante negativos em você.

Indo para o trabalho, acertei exatamente na junção das portas de um Gol prata, que não havia respeitado a sinalização enorme de PARE no meio da rua. O curioso é que eu lembro do impacto com tantos detalhes que sou capaz de recordar o que pensei no momento: “Puta que pariu, vou bater de novo?*”.

*Digo “de novo” porque, em 2009, passei pela mesma situação. Só que daquela vez fui atingido por um ônibus e eu não sofri absolutamente nada.

Foi uma batida forte, mas tive sorte de não atingir nenhuma janela do carro. Um centímetro a mais para o lado e eu teria entrado carro adentro, quebrando vidros e me rasgando inteiro. Minha primeira reação foi gritar, pela dor CABULOSA que sentia e pra chamar a atenção de transeuntes – dica de profissionais, sempre faça isso. Movi os dedos dos pés, das mãos, tudo funcionando… menos o pé esquerdo. Pensei na moto.

Legal como ela ficou com uma "aerodinâmica" com o guidão virado pra direita

A moto estava atrás de mim, vazando gasolina. Não tentei me levantar, nem conseguiria pela GALERA que juntou ao meu redor ORDENANDO pra eu ficar imóvel. Minutos depois, fui levado para o pronto atendimento da Santa Casa, frustrado pela falta de sirene da ambulância. Não me senti digno de sirene.

No hospital, fui atendido pelo doutor Cristiano de Oliveira Maia, que perguntou onde doía. Expliquei que sentia muita dor e não conseguia mover o pé esquerdo. O doutor, sem tocar em mim, apenas me trocou de maca.

A maca em que cheguei, dos bombeiros, é colocada sobre a maca do hospital. Pra retirar a maca de cima, é preciso “rolar” o paciente para o lado, retirando a de cima e deslizando-o sobre a maca de baixo. Acontece que o “doutor” resolveu me rolar POR CIMA DA PERNA QUE EU DISSE QUE SENTIA DOR. Gritei de dor, ele saiu da sala para voltar ao seu trabalho de ficar de braços cruzados em um balcão, olhando para o nada.

Dez minutos doutor, o médico grita de longe:
– CONSEGUE ANDAR?
– NÃO. – respondi, com um certo tom de “não tá vendo que meu pé tá zoado, porra?”
– VAI LÁ TIRAR UM RAIO-X!

Absurdos à parte, desci da maca pulando e falhando miseravelmente em me deslocar por mais de um metro até a porta. Pegamos uma cadeira de rodas e fomos tirar o raio-x. Minutos depois e de radiografia em mãos, voltamos ao médico. Uma análise de trinta segundos depois e uma receita de anti-inflamatórios (como praticamente tudo o que se receita hoje em dia), o médico me libera do hospital.

– Não tem nada aqui não, pode ir pra casa. Se continuar doendo, você volta.

Por alguma política idiota do hospital, eu não pude sair usando a cadeira de rodas. Tive que sair pulando do pronto-atendimento até o estacionamento do hospital, sentindo meu pé pular por dentro. Por uma lei criada por algum idiota de terno que fica sentado o dia todo preocupando-se com a potência do ar condicionado, acidentes de trabalho precisam OBRIGATORIAMENTE ser atendidos no sistema público de saúde.

Acontece que, ainda bem, tenho plano de saúde. Na segunda consulta, foi constatada uma fratura nos ossos do calcanhar. Por precaução, foi marcada uma terceira consulta com um especialista no outro dia. Vinte e quatro horas de muita dor depois, o diagnóstico final: eu era dono de uma lesão seríssima nos ligamentos do calcanhar esquerdo, e que caso não houvesse cicatrização seria preciso uma cirurgia.

Enquanto recebia as más notícias, eu só conseguia lembrar do que havia acontecido um dia antes. Eu havia sido LIBERADO do primeiro hospital com uma receita de remédio e um diagnóstico FURADO baseado em um raio-x QUEIMADO e um médico plantonista que me atendeu com a menor vontade do mundo. O mesmo médico que me mandou ANDAR pelos corredores do hospital com pé quase que completamente solto por dentro.

Devidamente imobilizado e diagnosticado, vim para casa escrever meus textos.

***

Eu costumo dizer que há um ponto positivo pra tudo. Mesmo sendo difícil enxergar através da imensa barreira de dor e incômodo constante que ligamentos rompidos causam, existe algo positivo em sofrer um acidente de moto. E é exatamente disso que saiu aquela lição do texto passado.

O pior de tudo não é a dor, não é o desconforto. O pior é se tornar dependende de outras pessoas para quase tudo. Se eu tenho sede, eu tenho duas opções: ou caminho de muletas até a cozinha, arriscando bater, tropeçar ou cair, me servir um simples copo d’água e beber lá mesmo, pois não posso carregá-lo; ou grito pra minha vó, uma valente senhora de setenta e cinco anos me servir. Ninguém reclama de ajudar, mas eu me incomodo em pedir coisas tão simples pra outras pessoas.

Mesmo assim, estou longe do direito de reclamar. Existem problemas muito maiores que os meus, não tenho o menor direito de sair amaldiçoando ninguém por um pé que não funciona.

Sinceramente, eu disse a verdade no último post. Hoje, sou muito mais grato pelo que funciona do que puto pelo que está danificado.

Autor: Raphs

Fisicamente, três anos a menos. Mentalmente, sessenta anos a mais.

15 comentários em “Mais um pouco sobre o que aconteceu comigo e tal”

  1. "A grande parte dos meus leitores são pessoas misteriosas, que sempre estão presentes mas não se manifestam por motivo algum." OU QUE TE ADICIONAM NO FACEBOOK DEPOIS DE LINKAR O SEU BLOG NO DELES E TE SEGUIR NO TWITTER E VOCE NAO RECONHECE

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  2. È assim mesmo o trânsito,é uma guerra de meninos mostrando quem tem o nilau maior.Tire a carteira D e abandone as notos como eu,dirija F250,Silverado ou RAM 2500 e dê o troco nos desgraçlados burros que conduzem veículos menores.

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